As emendas parlamentares atingiram em 2023 a marca de 45% do orçamento federal da assistência social, mostra estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O avanço reduziu o poder de decisão do Executivo e consolidou as emendas como principal forma de financiar o Sistema Único de Assistência Social (Suas).
O levantamento, realizado pelas pesquisadoras Marina Brito Pinheiro e Ana Cleusa Serra Mesquita, revela que os valores destinados à assistência social por meio de emendas cresceram 227% entre 2005 e 2024. Em 2016, 94% dos recursos parlamentares financiavam investimentos, como construção de unidades. Já em 2023, 84,6% foram usados para custeio dos serviços, reflexo da retração do cofinanciamento federal.
A pesquisa também mostra que a mudança se acelerou, após 2017, quando a regulamentação autorizou os repasses de recursos de emendas via “fundo a fundo”, diretamente do Fundo Nacional de Assistência Social para fundos estaduais e municipais. A taxa de execução, que era inferior a 20%, saltou para 68% em 2018 e se manteve elevada nos anos seguintes.
Distribuição desigual
Embora vultosos, os recursos não alcançam todos os municípios. Em 2022 e 2023, 50% das cidades brasileiras não receberam nenhuma verba de emenda parlamentar para a assistência social. Apenas entre 5% e 10% dos municípios obtiveram valores superiores a R$ 50 per capita/ano.
O contraste é ainda maior quando se observa o porte das cidades: em 2023, municípios de pequeno porte I (até 20 mil habitantes) receberam, em média, dez vezes mais recursos per capita que as metrópoles. Mesmo em regiões que se destacaram, como o Norte, mais de 60% dos municípios não tiveram acesso a emendas.
A concentração também foi marcada pela atuação política das bancadas. Municípios do Amazonas e do Piauí, por exemplo, receberam montantes expressivos em 2022 e 2023, puxados pela articulação de seus parlamentares, segundo o estudo.
Desafios de transparência
As pesquisadoras apontam ainda dificuldades de rastrear os valores e sua aplicação. “A falta de transparência persiste, tornando complexa a tarefa de monitorar o montante e o uso dessa verba proveniente das emendas”, ressaltou a pesquisadora do Ipea Ana Cleusa Mesquita.
A predominância de critérios políticos sobre parâmetros técnicos ameaça a universalização prevista na Política Nacional de Assistência Social. "A pesquisa demonstra um paradoxo preocupante: as emendas parlamentares injetaram bilhões no orçamento da assistência social, que é historicamente carente; e, ao mesmo tempo, desde 2014, elas reconfiguraram o financiamento do Suas de forma desigual. A diminuição do poder decisório do Executivo e a falta de coordenação na alocação desses recursos acabam comprometendo a universalização dos direitos sociais, com metade dos municípios brasileiros sem acesso a essas verbas, aprofundando as desigualdades no alcance dos serviços. É urgente e necessário discutir os riscos dessa nova dinâmica orçamentária para a continuidade do Suas, guiado pelo objetivo de ofertar serviços uniformes em todo o país, com equidade no custeio.”, conclui Mesquita.
Fonte: ipea.gov